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21 de março de 2020

À semelhança das palavras do escritor Franz Kafka “Um livro deve ser o machado que quebra o mar gelado em nós”, John Felstiner, professor de Stanford, questiona no título do seu livro: “Pode a poesia salvar a Terra?”[1]

“Porquê invocar os prazeres da poesia num momento em que é necessário responder sem reservas? A resposta começa no indivíduo: são os indivíduos que recitam os poemas e é aos indivíduos que eles se destinam. Um após o outro, a vontade de agir pode aumentar em nós. Por sermos o elemento recetor da beleza e da força dos poemas, temos a oportunidade de reconhecer e atenuar a pegada que deixamos num mundo onde a natureza se reveste de uma importância vital.”

Elaborada com palavras, colorida por imagens, composta segundo uma determinada métrica, a poesia tem um poder sem igual; de agitar o nosso quotidiano e recordar a beleza do que nos rodeia e a resiliência do espírito humano.

Este ano,  em que se assinala o fim a Década das Nações Unidas para a Diversidade Biológica e o início  do Ano Internacional da Saúde Vegetal das Nações Unidas, a UNESCO presta homenagem aos poetas do passado e do presente que apoiam a biodiversidade e a conservação da natureza.

Embora a conservação da biodiversidade só recentemente se tenha tornado num tema de sociedade, há milhares de anos que os poetas instam o leitor a apreciar a beleza da natureza. O amor, a morte e a natureza são quiçá os temas que mais inspiraram os poetas. De Garcilaso de la Veja a Victor Hugo, de Alexander Pushkin a Sarojini Naidu, o poeta sempre reconheceu e celebrou a profunda ligação entre as emoções humanas e a riqueza do ambiente que nos rodeia.

Mais recentemente, os poetas têm começado a convocar a sua memória cultural e as suas preocupações ecológicas para darem conta das alterações climáticas. Através das suas obras, estes “ecopoetas” colocam o património natural e cultural no centro do debate político e fazem do mesmo uma questão de sobrevivência. O poeta mapuche contemporâneo Elicura Chihuailaf expressa com poderosa eloquência este vínculo entre o saber indígena e a proteção dos ecossistemas:

«Aprendo então os nomes das flores e das plantas.

Os insetos cumprem a sua função.

Nada está a mais neste mundo.

O universo é uma dualidade:

O bom não existe sem o mal.

A Terra não pertence à gente.

Mapuche significa “Gente da Terra”.[2]

A poesia assenta no coração de quem somos: mulheres e homens vivem juntos hoje, alimentando-se da herança das gerações passadas, desempenhando um papel de guardiões do mundo para os nossos filhos e netos. Ao celebrarmos hoje a poesia, celebramos a nossa capacidade de união em prol da biodiversidade como “uma preocupação comum da humanidade” e como parte integral do processo de desenvolvimento internacional.

 

[1]

 Why call on the pleasures of poetry, when the time has come for an all-out response? Response starts with individuals, it’s individual persons that poems are spoken by and spoken to. One by one, the will to act may rise within us. Because we are what the beauty and force of poems reach toward, we’ve a chance to recognize and lighten our footprint in a world where all of nature matters vitally.
(extrato de Can Poetry Save the Earth?, John Felstiner, 2009)

 

[2] Aprendo entonces los nombres de las flores y de las plantas
Los insectos cumplen su función Nada está de más en este mundo El universo es una dualidad : lo bueno no existe sin lo malo. La Tierra no pertenece a la gente Mapuche significa Gente de la Tierra
(extrato de « La casa Azul en que nací », Recado confidencial a los chilenos, Elicura Chihuailaf, 1999)

 

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